Gosto de riscar itens que escrevo à mão com caneta colorida. Comprei uma versão chinesa daquela clássica Bic de 4 cores e ela tem sido a minha melhor aliada numa batalha que travo todos os dias: concluir tarefas, ou melhor, terminar as coisinhas que tenho que fazer.
Minha mente é bugadinha. Concluir qualquer tipo de atividade logo se corrompe em uma odisseia não solicitada, uma jornada exaustiva de uma pessoa só. E isso acontece com as tarefas mais simples e também com aquelas que eu, e todo o universo conhecido, tem a plena certeza que nunca serão finalizadas. Posso ser sincero? Algumas eu sequer vou iniciar. E tudo mal.
É assim mesmo, coisas da vida, já diria Kurt Vonnegut.
Não tenho ideia ainda de como funciona para as gerações atuais — vou precisar me inteirar logo sobre isso — o que eu sempre soube é que a pessoa da minha época já nascia com três atividades master para uma vida plena:
Plantar uma árvore 🌳
Ter uma filha 👨🏽🍼
Escrever um livro 📖
Malamanhado como sois, encontrei subterfúgios para riscar todos esses eventos com uma caneta falhando. Passei até na língua para ver se a tinta voltava — o que contribuiu apenas para rasgar a folha.
No momento que estiver lendo esse texto, minha filha talvez já esteja conosco aqui em casa, cagando piche e gritando que onde ela estava antes era muito melhor, sem toda essa gente feia.

Na pré-escola, no século passado, a gente molhava um algodão e colocava um feijãozinho dentro. Se isso não é uma árvore, agora vai ser. O que me deixou com apenas um item para riscar da lista master das pessoas ultrapassadas e que ainda carregam sonhos de um mundo que nem existe mais.
Em 2023, um conto meu foi selecionado num edital e eu fiquei tão feliz que nem tinha notado, naquele instante, que esse pequeno ato — ter algo que você escreveu num dia durante a pandemia aceito por uma banca avaliadora e criteriosa — fosse me fazer zerar a vida.
Já estamos no meio de 2025, eu vou ter uma filha da nova geração, Beta, e meu pé de feijão, que só existe na minha memória, não serviu de porra de nada pro planeta. Que se lasque, eu só quero completar minhas atividades e sentir o gostinho da vitória por alguns segundos. Ter em minhas conexões internas o sentimento de completude.
Se fosse levado a algum júri, aposto que seria obrigado a criar novas listas, maiores, mais precisas, que me fizessem performar em alto nível. Sabe? Uma daquelas que nunca fosse completar. Só o ser humano gosta de, convenientemente (segura esse advérbio na caixa dos peito Stephen King), obnubilar (receba, na cara ainda) verdades desagradáveis e só olhar para onde a lanterna do seu celular aponta. Ou seja, eu finjo que tá tudo completo e que se lasque Maria Preá.
Lançado pela editora Terra Redonda, na página 124 do livro, logo abaixo de um desenho muito fofo, tem lá o título de uma história que escrevi com meu nome de autor em seguida. Completo e as porra. Não era bem assim que imaginei o meu pen name, coisas da vida.


Pronto, taí o meu brinquedo novo, meu livro. Bom, não é meu, meu. Tem outros autores talentosos com outros contos ou poesias, mas eu não tô nem aí. Tachei a lista inteirinha. E não quero atritos. Repito: não quero atritos.
Plantar-uma-árvore-ter-uma-filha-escrever-um-livro é só uma lista que inventaram para tirar nossa paz, para nos manter em busca de coisas, de metas, de alcançar o fim do arco-íris. Igual a desenhar. Digo, o ato despreocupado de rabiscar o papel. Ou tentar copiar desenhos no Pinterest, tanto faz.
Não caiam nesse papo de que só vale quando você encontra o seu estilo (seja lá o que isso signifique), primeiro que, para encontrar o seu estilo, dizem que você precisa parar de tentar simular outros traços. Mesmo se, desenho para você, for apenas um passatempo. Uma coisinha que você faz para descansar a mente, sem nenhuma pretensão artística.
Desde o dia que decidi chamar meus traços tortos de “meu estilo de desenho¨ tudo ficou mais leve. Ou autoral, se você quiser postar no linquedinho. Vale para desenhos, para newsletter, para guardar momentos em fotos sem angulo, foco ou a luz perfeita e que você vai mandar apenas para duas ou três pessoas. Vale também para listas. Serve para o que você quiser.
Sabe o que eu faço em momentos que me sinto intimidado por conta de pessoas que eu nem sei se existem mesmo e se existirem estão apenas se passando por um personagem muito triste e deprimente online porque não é possível que alguém seja assim tão medíocre e/ou ignorante? Eu repito a minha frase favorita do filme Juiz Dredd — o bom, com Karl Urban — eu digo em alto e bom som: Eu sou a lei!
Eu desenho minhas coisinhas; escrevo meus textos do jeito que eu bem entendo; faço minhas próprias listas e risco os itens que eu quiser na ordem que eu achar melhor. Não tem nada disso de separar por importância e nem regra de dois minutos. Até porque eu sei que vou esquecer em menos tempo, igual um cachorrinho pequeno e endiabrado que primeiro morde e depois se pergunta que viagem é essa aí, pai?
Escrevo torto em linhas retas. Em papeis sem pauta também. A minha letra é essa mesmo, não tem outra mais bonita. Até tem, mas ela não dura nem dois parágrafos. Dói a mão e eu não gosto de mentir (muito).
Não preparei nada e nem escolhi uma foto boa para ficar aesthetic e agradável. Aproveitem que isso é quase um trabalho social. Toda vez que você se sentir mal com a sua letra, salve essa foto, olhe pra ela e se liberte.
Já risquei a lista da foto acima todinha, inclusive já inscrevi minha última historinha completa no Ano V do Selo João Ubaldo Ribeiro. Pretensioso? Oxe, sou mesmo.
Requenguelas
O livro “Ridendo castigat mores” pode ser adquirido aqui. Eu vou receber alguns exemplares em casa e acredito que tenha também desconto para comprar, quem quiser aguardar é só me mandar uma mensagem direta. O lançamento aconteceu agora no final de abril de 2025, em São Paulo e casou com a mesma semana que estava lá na locomotiva do país à trabalho. Claro, qual outro motivo seria?
Foi muito legal o evento de lançamento, conheci outros autores e estou abrindo novas pontes literárias (inventei isso enquanto corrigia os erros que eu vi, os que eu não vi, favor não reparar. É feio ficar apontando pros outros). Também pude ficar na casa de um amigo que, vejam só, o trabalho me deu.
Façam amigos em qualquer lugar que conseguirem e guardem eles num potinho com fita e tampa colorida.
Enquanto espero a entrega da minha bebê born aqui em casa, estou enviando minha história jovem adulta de realismo fantástico “regional” — tudo que não é escrito em São Paulo ou Rio vira regional — em tudo quanto é canto que ela cabe (editais e editoras). Assim que encontrar uma casinha, aviso a vocês e ai eu faço outra lista. Maior, mais megalomaníaca, inalcançável. Ela vai começar com um título internacional do Vitória e só terminará quando minha filha conquistar o mundo.
E se nada disso acontecer, finjo que não era bem o que eu queria. Revelo que tudo fazia parte de um chiste. Uma piada que ninguém vai entender.
Depois eu crio uma outra lista recheada de atividades manjadas e fáceis só para riscar todos os itens com uma caneta qualquer, como se não valesse de nada.
Escrevo também em meu sítio particular:
https://msmelo.blog (micro contos e ensaios)
https://escritos.msmelo.blog (contos e noveletas)
Vou aguardar pra ver se na sua mão é mais barato 😂
Um dos melhores textos que li ultimamente, Marcio.
Vou chamar de "autoajuda bem humorada" (pode dispensar o rótulo), mas é realmente uma "utilidade pública" hoje em dia a gente falar de fugir da "performance" e do julgamento alheio. Cada um faz a sua lei, uai. Porque não?
Que sua filha venha com muita saúde! Uma feliz jornada para você nesse caminho incerto, tortuoso e delicioso de ser pai!
Grande abraço!