Quando criança eu tinha o costume de sair picado1 da escola para casa na hora do almoço. O Recanto da Tia Elzinha, onde riscava papel e pulava pneu estudava, ficava a menos de 600 metros do Condomínio Edifício Marcelo, localizado no Parque Júlio César, no bairro da Pituba, em Salvador, Bahia. Enquanto comia o que Sarney nos permitia naqueles anos, acompanhava na Tv a metade final de He-Man.
Desculpe-me, às vezes sou muito específico, mas é para contextualizar as três pequenas histórias que vou compartilhar logo abaixo.
Além de me encantar com as aventuras do musculoso bronzeadíssimo, o que me fascinava mesmo era o ensinamento que sempre vinha ao final de cada episódio. Aqueles preciosos conselhos que remetiam à história que tínhamos acabado de assistir. Até os pais aprovavam as lições de vida transmitidas pelo herói de Ethernia, que se tornaram um verdadeiro fenômeno e até viraram memes nas redes sociais.
Lições de vida... algo comum em desenhos ou filmes para crianças. A gente tenta enganar os pequenos dizendo que eles vão se divertir por alguns minutos quando, na verdade, estão apenas sendo doutrinados com ideias antigas e que não vão lhe ajudar em porra de nada no futuro, já que, ao contrário do que prega Pitty, o mundo gira depressa pra caralho.
Espero que aprendam algo com estes pequenos causos (mentira).
Agregados
Eu sempre passava o São João no interior em minha cidade natal que fica no recôncavo baiano. Em uma das últimas vezes que fui passar os festejos juninos lá, tirei uma foto com meus primos e seus/suas respectives.
A foto ficou linda. A gente sorria, as pessoas passavam atrás sem olhar pra câmera e ninguém fez careta ou colocou chifre nos outros (pelo menos não aquele com os dedos atrás da cabeça). Dizem que a foto perfeita não existe, mas aposto que falam isso apenas porque não viram essa que eu tirei naquele 23 de junho em Conceição do Almeida. Daria tranquilamente para ser capa de álbum de banda de forró pé de serra ou até mesmo de uma playlist de Deep Dark Indie no Spotify.
Nessa época eu ainda tinha conta no Facebook e postei a foto com a legenda “Primos e Agregados”. Muitas curtidas e interações, um sucesso.
Dormi feliz, mas quando acordei, a mensagem dela me pegou de jeito.
A (na época) namorada de um dos meus primos comentou na foto, chateada, porque eu havia mencionado que ela, já que não era prima, seria uma agregada 😅.
Eles estão juntos até hoje, o que me faz lembrar desse dia todas as vezes que nos escontramos. Da última vez, inclusive, ela me disse que nossa família era muito estranha. De fato.
Fica aí a lição: Não legende fotos de São João tiradas em sua cidade natal.
Sambei
Coisa de uma década atrás, a turma xoxo mídia baiana era bastante unida e animada. Uma vez a cada mês rolava um encontro de entusiastas e profissionais de mídias sociais e agregados na cidade. Era um ótimo momento para conhecer algumas arrobas que você seguia e também rever amigues. Num desses eventos, iria rolar um sorteio. Eu nunca tive muita sorte na vida, acredito que torcer para o Esporte Clube Vitória seja uma prova inequívoca da minha falta de sorte no jogo. Já no amor. Ah, o amor…
Estava conversando com um colega cheio de seguidores e bastante influente na rede mundial de computadores e mais uma garota que havia conhecido naquela noite. Ela era bastante extrovertida, alta e usava o cabelo curtinho pintado em laranja. Em determinado momento, entre uma conversa e outra, ouvi o meu nome sendo chamado.
Eu havia sido sorteado. Seria o início da virada desse azar nos jogos, o Vitória seria campeão nacional na próxima temporada e eu ficaria rico com o jogo do bicho. Voltei com meu prêmio e sentei na mesa com aquela cara de quem pegou um cubo lindo de queijo coalho com orégano no buffet e, quando foi morder com vontade, descobriu que era tofu com salsa. Apenas bárbaros preferem salsa ao invés de coentro ou orégano.
A moça de cabelo curto roubou meu personagem e reclamou que não havia levado nada no sorteio. Eu, como bom piadista que sabe a hora certa de falar as coisas para as pessoas certas, respondi mostrando meu prêmio:
— Poderia ser pior, você podia ter ganhado um cd do Sambô.
— Ah, é? Poxa… bem, fui eu quem colocou esse cd pra sorteio. Faço parte da divulgação deles por aqui e eu acho eles bem legais, sabe?
Climão sabor tofu. Sem salsa, sem nada, ao som de “toooooniiiiigghtt…”
Fica aí lição: Jamais comam algo sem perguntar antes o que é. Tofu é um alimento sabor vazio existencial que, apenas na aparência, parece delicioso.
Abrindo os poros
Moro num bairro classe média de Salvador, ou seja, tá cheio de gente que acha que é rico e trata mal todas as outras pessoas. Passei quase quinze anos de minha vida cortando cabelo no mesmo lugar, numa barbearia na periferia da cidade onde morei por 12 anos. Mesmo quando saí de lá, ainda me deslocava para meu antigo bairro apenas para cortar o cabelo, mas aí a vida acontece, as coisas ficam mais distantes e você, preguiçoso, decide ir nas barbearias TOPSTER do seu bairro de barão.
Por algum motivo obscuro da mão invisível do capital, as barbearias se tornaram um parque recreativo para macho escroto (desculpe a redundância). Você podia ir lá tomar cervejas artesanais no valor de uma garrafa de whisky com rótulo azul ou verde, jogar sinuca, videogame ou fazer qualquer outra coisa que não envolvesse cortar cabelo. O ambiente é organizado de forma a parecer uma barbearia do Brooklin dos anos 1960 dos EUA, só que chique, com móveis estilo industrial (seja lá o que isso signifique), canos aparentes mal pintados em preto e quadros com caveiras de bigodes gigantes e pontiagudos. Um parque de diversões para pessoas que são anti-comunismo, saudosos dos velhos tempos e que tem a mais absoluta certeza que vagabundo tem mais é que levar bala, e não é big big nem 7 Belo que eles se referem. Para tudo isso, um corte + barba lhe custa quase 100 reais (ou mais, a depender).
Cansado de sofrer em lugares como este e perder muito dinheiro por um corte que não deveria custar mais do que 20 reais, afinal, nem cabelo mais eu tenho assim pra ser cortado, resolvi ir em uma antiga barbearia dessas que fechou o segundo andar todo, antes destinado ao parque recreativo de redpills e, numa decisão de vanguarda, decidiu apenas se concentrar a cortar cabelo num espaço menor e sem vender cervejas e etc — tá, ainda vendiam pulseiras de macho e, como era época de São João, estava até rolando um licorzinho.
Resolvi dar uma segunda chance e fui no modo full house, cabelo e barba, com direito a toalhinha quente para abrir meus poros (lá eles) numa sessão que levou quase 1 hora (no meu antigo barbeiro, em 15 minutos eu tava lindo e pronto pro crime).
Findado o serviço e depois de torcer para meu cartão aceitar o pagamento, me olhei com calma no espelho e lá estava a mesma cara feia e redonda de sempre, só que com o agravo de estar com a barba torta e mal arrumada e o cabelo cortado a moda caralha.
Antes de sair a noite num evento do prédio, precisei passar lápis de olho na barba, da mesma forma que fazia nas festas juninas do Recanto da Tia Elzinha, para ficar minimamente apresentável.
Fica aí a lição: Não aprendi nada com essa história, apenas perdi tempo de vida. As vezes nem tudo é sobre aprender algo, as vezes a gente só precisa tomar decisões erradas e se arrepender.
E você? O que suas histórias lhe ensinaram? Se quiserem compartilhar, comentem lá no Substack ou respondam esse email caso esteja assinando a newsletter.
Histórias, contos, causos, crônicas e ensaios tendo a Bahia como cenário, ou seja, todos os textos contém manchas de dendê.
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Picado - Correndo. A expressão vou me picar, também é muito usada por aqui quando alguém quer ir embora de algum lugar (não é para usar drogas injetáveis).