Acho lindo quem consegue organizar a vida de forma criativa e elegante. Desde muito novo eu tinha uma invejinha de minhas coleguinhas de classe e seus cadernos coloridos e cheio de desenhos separando cada uma das sessões. Naqueles tempos, para meninos, era vedada a participação em qualquer atividade que envolvesse mais do que duas cores por página, ainda que a gente utilizasse aquela Bic de quatro cores.
Passei um bom tempo de minha vida analisando diversos aplicativos e sistemas de organização, dentre eles, o mais recomendado era sempre o Notion. Trabalho, saúde, newsletter, blog e até coisas mais pessoais, dá para você esquematizar tudo com eles, desde os níveis mais simples até descer multicamadas e mergulhar em uma verdadeira automatização da sua rotina.
Eu já tentei uma dezena de vezes utilizar o Notion ou ferramentas similares. Acho lindo, fico abismado com a capacidade das pessoas em organizar tudo com links, caixinhas, emojis e mil cores, tornando a experiência da vida adulta um verdadeiro deleite, nem que seja por alguns segundos.
Eu não consigo. Nem mesmo iniciando com um modelo pronto e lindo que ganhei da sempre muito generosa Vanessa Guedes em uma videochamada que ela fez para seus apoiadores meses atrás. Tem dias que abro o modelo apenas para admirar a sua leveza e beleza. Clico nas páginas, vou e volto, mas sequer tive coragem de mudar um título ou adicionar qualquer coisa. Parece muito para mim, parece mais trabalho do que eu tenha capacidade de lidar mentalmente falando.
Cada pessoa se adapta melhor a uma forma de organização. Acredito que a experiência de testar diferentes formas é bastante proveitosa. É sabendo o que não funciona para a gente que conseguimos encontrar nosso caminho. Pelo menos eu acredito nisso, especialmente quando estou escrevendo ficção.
Sabe porque?
Eu me organizo no caos. Não tem Outline, não tem fichinhas com emojis e muito menos gatos a serem salvos. Quanto mais eu me preparo, menos faço e esse é, para mim, o caminho mais curto para a desistência (se organizar muito antes de dar a largada). Até quando vou desenhar funciona assim, se rabisco duas linhas no papel sempre encontro alguma forma ao longo do processo.
Isso acontece muito quando me sento para escrever sem aflição, sem criar muitas expectativas com o que vai sair. Acerto minha lista musical, encontro um tempo em que tudo vira silêncio e inicio com algumas técnicas que aprendi ao longo de tantos cursos de escrita criativa que participei. Não demora muito e as palavras vão pipocando igual a milho em panela quente.
Poc, poc, poc. Tac, tac, tac…
Basta uma lembrança ou um acontecimento banal para destravar a primeira frase e pronto. Você poderia tentar agora mesmo se quisesse com um simples "Eu me lembro…" e deixar sua mente descarregar. É bom tirar tudo que está entalado dentro de nossa cabeça de tempos em tempos. Para dar uma oxigenada, diria o treinador que é chamado de entregador de camisas pela torcida e imprensa por sempre substituir jogadores da mesma posição na falta de ideias melhores.
Tenho uma história ainda não finalizada – mais uma, minha vida numa casca de castanha – que já tem quase vinte páginas e eu comecei a escrevê-la em minha caderneta vermelha com uma caneta de gel gostosa de escrever, onde a primeira frase brotou de um sonho. Um daqueles que não fazem o menor sentido. Nele, pessoas chegavam para morar em casas que ficavam dentro de uma escola cercada por rios onde uma turma fazia natação por dias, sem nunca cansar. Tudo era escuro, as pessoas carregavam maletinhas e se vestiam sempre com tons escuros, menos uma garota que usava um all star laranja.
Retirei todas as birutices que só nossos sonhos conseguem criar e comecei exatamente assim:
"Eles chegaram à noite, mas vieram em três."

E aí eu continuei escrevendo, todo dia um pouquinho. Por dez ou quinze minutinhos antes de trabalhar, por um mês mais ou menos. Falei primeiro da garota do tênis diferente e colorido, depois das pessoas que a acompanhavam. Porque eles estavam ali e também quem era o narrador, uma outra garota que anotava tudo em seu caderno. Quando eu vi que já tinha muito o que digitar, comecei a repassar para o computador e aí foi onde as coisas começaram a desandar.
No papel a única forma de editar algo é riscando uma palavra e escrevendo outra depois. Tem muitas frases que eu nem tenho ideia mais do que escrevi, essas ficam em aberto, como se na minha mente fossem até mais interessantes. No computador não. Fica tudo exposto. Eu vou e volto. Edito, corrijo erros de ortografia, brigo para deixar meus regionalismos e gírias à salvo. Luto com os diálogos, acho tudo muito ruim, desisto de continuar. Tenho outro sonho, vejo outro filme, tenho outras ideias que parecem melhores e entro nessa espiral sem fim. Volto a me questionar se o problema não é a falta de um Outline extenso, fichas de personagem, um aplicativo com emojis e letras coloridas.
Escrever "solto", seja no teclado ou com papel e caneta, também é uma tarefa complicada, ainda mais se o objeto de desejo for algo grande como uma noveleta ou um romance. Para isso é preciso um pouco mais de dedicação. Se for apenas um pequeno conto ou um texto para sua newsletter, só precisa de um tiquinho a mais, não é nada que vá acabar com o seu dia. Existem milhares de técnicas que me auxiliam nessa hora, uma que utilizo muito aprendi no curso de Aline Valek.
Quando vou escrever no meu notebook – sou da turma de coisas importantes só no computador – eu separo as ideias que tenho para o texto e até frases e organizo mais ou menos em uma sequência que pode (e geralmente vai) mudar. A partir de cada uma dessas frases eu vou puxando os fios, escrevendo um pouco mais. Não faço tudo de vez, vou e volto quantas vezes sentir que for necessário até ter um molde, uma rochinha bruta, tipo um chihuahua. Lindo de tão feio que é, mas se você chegar muito perto ele pode te morder.
Depois é só ir lapidando até ter algo apresentável. Segundo quem? Sim, as vozes da minha cabeça. Quando você sabe que seu texto está pronto? Bom, isso eu ainda não aprendi. Tem dias que estou muito cansado de ver aquelas mesmas palavras, aquela mesma conversa tantas vezes que eu penso, bom, já deu. E sabe mais uma coisa? Não vale nota e nem vou perder de ano ou matéria se atrasar ou se entregar e não estiver tudo corretinho.
Para aqueles que estão sem energia para qualquer esforço extra, outra solução é praticar o desapego. Confesso que mais da metade das vezes é o que faço e não me arrependo. Experimente soltar seus textos no mundo só para ver no que vai dar.
Como já diria o saudoso Chorão: “Se for já era!”.

Acredite, sempre tem público para ler o que você escreve. Nem que seja para apenas uma única pessoa, suas palavras vão ‘bater certo’. Alguém vai sentir-se bem por ter lido o que você escreveu. Nem que seja para dizer, “Porra, se ele teve coragem de publicar essa *****, eu também posso ter”.
Nada aqui foi planejado de início, deixei as coisas correrem soltas primeiro para só depois amarrar as pontas. Se na música é mais difícil encontrar uma banda que una todas as tribos, em nossas ideias e textos é mais simples do que parece encontrar o nosso "Norvana" semântico.
Imaginem só comigo
Comecei falando de caos, lembrei de uma série muito querida, de um artista que me acompanhou por muitos anos e, no final, enquanto tentava evitar algumas repetições, ainda aprendi uma nova palavra: Barafunda1.
Não sei você, mas eu gosto mesmo é quando eu não sei aonde vou chegar.
Barafunda: Situação em que não há controle ou ordem, na qual um grupo de pessoas produz tumulto, balbúrdia, pandemônio.
Amei demais a reflexão. Queria muito conseguir lembrar dos meus sonhos, qse sempre esqueço de todos e nem tenho a certeza se sonhei.
Isso de deixar os textos soltos, lembro de quando eu escrevia poesia, fazem mais de dez anos eu curtia muito descarregar tudo o que estava na minha mente.
Quanto ao caos, me identifico, no Notion só consigo colocar as ideias por lá naquelas abas com seta que abrem para digitar o texto, no mais não consigo também organizar muita coisa por lá.
Eita, rapaz, que ri e me identifiquei do início ao fim. Como diz minha terapeuta, vc não entende, mas seu psicanalista sim! Kkkkk
Tô aí com 3 livros iniciados e sem fim, pq o caos é a minha sombra, e se eu organizar e ele me abandonar, viro só a burocrata chata de durante a semana. Quem quer ler parecer? Kkkk
Sucesso pra vc! Adotei sua Alice de tênis laranja (ou ela seria o Coelho?)