A primeira vez que entrei numa caverna foi na Gruta da Lapa Doce, na Chapada Diamantina, aqui na Bahia. Eu tinha apenas seis anos, e o que mais me impressionou foram as formações rochosas, criadas gota a gota ao longo dos séculos. Visitei anos depois, mais velho, e algo diferente me chamou a atenção: os muitos caminhos que se perdiam pelo roteiro.
O guia contou que muitos desses caminhos nunca foram mapeados — quilômetros de lugares os quais ninguém sabia onde iam dar, perigosos demais para serem explorados.
Entrar numa caverna é muito fácil, o difícil é sair dela.
O guia falou essa frase que ficou gravada no disco rígido da minha memória.
Pensei nisso nos últimos dois meses, enquanto escrevia freneticamente todos os dias, publicando quase nada. E sabe do que eu senti falta? Das conexões que criamos pelos caminhos, sejam eles virtuais ou reais.
Das redes sociais e suas métricas doentias, disso eu não senti a menor saudade. Na realidade, viver semanas longe desse jogo me fez um bem danado. Fez tão bem que até o Fatal Model Colossal Esporte Clube Vitória de Canabrava terminou o brasileiro numa posição digníssima, com o artilheiro da competição, gol mais bonito e vaguinha na SULAMIRANDA1.
Dei até uma entrevista no Manual do Usuário, o que mais eu poderia pedir? Ah sim: que você, que ainda não me assina, coloque seu emelho na caixinha abaixo.
Interseções
Nunca acreditei nessa história de caminhos certos e errados. Perdi minutos preciosos de vida todas as vezes que alguém queria dar uma lição de moral usando aquela velha frase “a gente colhe aquilo que planta”. Como se não fosse possível outra saída, como se essa verdade universal nos perseguisse, atenta, para gente não vacilar pelas beiradas.
Eu só comi jambo na minha vida um par de vezes. Para quem não conhece, é uma fruta visualmente encantadora. Vermelha escura por fora, branca como leite por dentro, macia, mas com gosto daquele vazio de domingo quando a segunda já vem metendo as caras. E sabe o que mais? Nunca plantamos um.
Quando criança, a gente subia num pé de jambo do sítio vizinho ao dos meus avós para subtrair alguns destes frutos lindos. Ou seja, essa ideia de plantações particulares ditando os rumos do universo não faz o menor sentido.
Cada um tem sua jornada e a minha não precisa ser igual a sua ou a de ninguém para valer ou fazer sentido (seja lá o que isso signifique). Encurtamos rotas pegando atalhos, entramos em trechos desconhecidos que só nos atrasam, os caminhos estão aí com o único propósito de serem percorridos.
Outro dia estava refletindo sobre um conselho que recebi: “Siga o seu coração 🫶¨.
Não acho que a pessoa que diga isso seja alguém mal intencionada, mas é preciso abrir os olhos. Como é que alguém pode cair nesse papinho? Como acreditar que seguir o coração seja uma ideia sensata?
Não sei o de vocês, mas o meu ♥️ é um agente duplo em meio a uma guerra fria que nunca termina.
Seguir as vontades de algo que não calcula as consequências de suas próprias escolhas não me parece muito astuto. E é por tudo isso que nem gosto de ouvir essa baboseira de caminhos certos e errados. De fórmulas para o sucesso. De dia certo para fazer não sei o quê. De medidas, quantidades, gramas, contadores, índices ou gráficos ascendentes.
A gente vai escutar nosso coração, vamos receber conselhos ruins — e seguí-los como se fossem dogmas — e algumas pessoas vão nos fazer acreditar numa força maior que, apesar de tomar conta do universo que não para de aumentar de tamanho além do infinito, sempre arruma um tempinho para garantir que a gente seja feliz desde que siga a sua cartilha imaculada.
Eu não estou aqui para dizer no que você deve acreditar, estou sendo vaidoso outra vez, estou falando de mim, apenas. Sabe no que acredito?
Em interseções.
É lá que as pessoas se encontram. Seja por acaso, por obra do destino, por ter feito uma curva errada (ou certa, depende do seu referencial temporal) ou, simplesmente, por sentar e esperar. Não sair do lugar também é uma ação.
Ninguém está perdido até ligar o GPS, olhar no mapa apertando os olhos à procura de algum sinal ao redor. Tem aqueles que até diminuem o volume do som para ver melhor. Não parece fazer sentido algum, mas acontece todos os dias.
Caminhos se cruzam, outros se fecham.
Só porque nossas rotas são diferentes, não significa que alguém está perdido.
Meus olhos, essa luz
Aline Valek resumiu muito bem: Sair de uma caverna é um negócio complicado. Seus olhos já acostumados com a escuridão urram de dor com tamanha claridade, suas roupas não condizem com aquele ambiente quente e, quando você percebe, está no meio da rua calçando aquela sandália mordida pelos cachorros. Tarde demais, todo mundo já está olhando pra sua roupa e seus trajes apocalipticos.
Muito antes disso, ninguém te explica qual é o protocolo. Como é que você faz? Acena para as sombras? Pede licença para as rochas, diz um “vou ali e volto já” para o vazio?
Em outubro participei do Literoutubro e escrevi 31 textos de até 250 palavras com temas variados por dia, mas com um tema maior de fundo que era distopia/utopia. Alguns micro-contos publiquei no meu site, outros no Notes, e em breve o pessoal do Toranja vai reunir os melhores de todos os participantes.
Em novembro eu inventei de escrever 50 mil palavras para o NaNoWriMo que é um desafio gringo para escrever essa quantidade absurda de palavras no mês de novembro. Dá pouco menos de duas mil por dia. Cheguei perto da meta e quase terminei a primeira versão de mais uma história.
Para dezembro, pretendo finalizar a versão agora vai quase lá para entregar à minha revisora oficial para ela fazer a revisão ortográfica e enviar meu primeiro livro — uma noveleta jovem adulta — para algumas editoras e ver no que vai dar.
Esses são meus planos... assim que eu trocar de roupa. Acabei de perceber que saí de casa de pijamas, e o pessoal do restaurante já tá me olhando meio torto.
Apelido carinhoso para a Copa Sul-Americana
Muito interessante a metáfora usada descrever a nossa " Caverna Interna"...
Reconhecer que temos nossos monstrinhos internos não é fácil realmente.
Esses monstrinhos sempre alertam o nosso ego que sair do conforto é ruim, é difícil e vulnerável, por que o nosso ego sempre ver a vulnerabilidade como uma fraqueza e ninguém gosta de se sentir inseguro, delicado e frágil...
Crescimento exige movimento e fazer o movimento de mudança quando isso exige que sejamos transportados para um lugar onde precisaremos fazer esforço, é desafiador para nosso ego, ele nunca quer sair de lá.
Conforto é bom e viciante, mas não nos tira do lugar.
A mudança é chata e desconfortável, mas faz um movimento ascendente na nossa vida.
Quando o pé de Jambo é mencionado concordo que muitas vezes colhemos o que não plantamos, mas também concordo que todas as nossas escolhas tem um preço que precisaremos pagar, " o astuto assunto de tomar decisões sem pensar nas consequências".
É tanto conselho ruim e ideia errada que escutamos por aí... Minha vida andou quando parei de dar importância para as baboseiras que me falavam.
Amei o texto, Márcio!