Imagina Só - Contos, causos, crônicas e ensaios com manchas de dendê. Uma história inédita por mês e o que mais ocorrer (ou não) nos outros dias.
Você conhece o Hotel Praia Dive em Salvador? Oi? Nunca ouviu falar?
Sempre que converso a respeito desta peculiar hospedaria encontro caras de interrogação. Talvez porque ele tenha esse nome super sugestivo e que remete a praia e mergulho, mas a realidade é um pouquinho diferente. Esqueça aquela imagem de um resort luxuoso com vista para o mar, porque o Hotel Praia Dive é um verdadeiro mestre do disfarce. Nem mesmo os soteropolitanos mais antigos antenados conhecem esse segredinho bem guardado, afinal, ele não fica em nenhum bairro turístico da capital e não há mar por perto para você desfrutar de um refrescante mergulho.
O mergulho é opcional
Pouco tempo depois da maior flopada da virada do século, o Bug do Milênio, eu prestava serviço para a Telemar e ela apresentava como solução à baixa velocidade da conexão discada da época uma ideia fantástica: Ao invés de ocupar uma linha telefônica para ter algo em torno de 56 kbps de velocidade, com a instalação de uma placa DVI em seu computador pessoal, você teria mais que o dobro de velocidade chegando a incrívels 128 kbps1. Bastando para isso ocupar duas linhas de telefone fixo em casa 🤡.
Já no início de meu curso, por motivos que não cabem nesse texto, precisei trabalhar para pagar as mensalidades da UCSal (metade era bancado pelo FIES). Como nos primeiros semestres eu sabia porra niuma de nada, a única vaga que consegui foi para trabalhar instalando essas tais placas DVI na casa das pessoas. Eu ganhava muito bem, mas acabava tendo que passar um tempo considerável procurando endereços em Salvador numa época que a gente não andava com um GPS no bolso e numa cidade em que procurar um local é, por si só, uma aventura digna dos mistérios mais obscuros de Agatha Christie.
Isso porque, para quem não conhece bem a capital baiana, os endereços não seguem uma estrutura lógica. A cidade cresceu ao Deus dará e tem tanta ladeira, beco e passagens secretas que fica difícil achar qualquer lugar até mesmo hoje em dia, com GPS e tudo. Os números dos logradouros não seguem uma ordem lógica. Não existe isso de números pares de um lado, ímpares do outro. Pior, você pode muito bem encontrar uma casa 78 ao lado de uma 12 e, logo depois, uma 125-B. Não existe 125-A, nem mesmo se você entrar naquele beco do siri. Eu mesmo, morei no Alto do Coqueirinho numa casa 57B. Ao lado tinha a 59A. E era isso.
Sem ponto de referência você não conseguia achar nem o banheiro da sua casa aqui em Salvador.
Tendo ciência dessa peculiaridade, como consistia então o esquema do meu trabalho como técnico de manutenção e instalação de periféricos computacionais? Bom, exigia uma equipe organizada. Uma pessoa anotava os endereços e outra separava os pedidos por localidades, tratando de anotar, com cuidado, todos os pontos de referência. Quando a gente chegava na sede da empresa logo cedo, cada um recebia um bolinho de notas com os dados dos clientes que tinham agendado visitas para aquele dia.
Não tinha fardamento, a empresa não ajudava com deslocamento, alimentação, porra de nada. Você ganhava um valor por instalação — bem sucedida — e era isso. Existia uma briga por algumas localidades mais fáceis e, por conta disso, ficou estabelecido uma espécie de rodízio. Foi assim que conheci o famoso Hotel Praia Dive. Era uma terça-feira, dia de sol a pino e eu precisava ir para alguns bairros que a maiorida dos soteropolitanos nem tem ideia para que lado ficam.
Naquele dia, minha tarefa era ir ao IAPI e Santa Mônica, que era onde ficava o tal do hotel que era um ponto de referência. A rua da pessoa ficava exatamente em frente. Mamata, tá no papo, vou matar essa grana hoje facinho, foi o que pensei. Isso porque, àquela altura já conhecia quase toda a cidade, e eu sabia que se eu descesse no Largo do Tamarineiro, eu podia acessar todos as instalações daquele dia gastando apenas uma passagem.
Sim, tem esse detalhe. Como não recebia deslocamento e também não tinha automóvel, eu sempre ligava para os clientes dizendo que meu carro tinha quebrado e precisava saber qual ônibus eu poderia pegar pra descer no local. Usei essa desculpa por todo o tempo que trabalhei instalando essas placas.
Assim que terminei minhas duas instalações no IAPI e estava voltando pra chegar em Santa Mônica, um sujeito me parou, vendo que eu não era dali:
— Tá perdido, Parmalat?
— Não, Telemar irmão — eu sempre apelava pra fraternidade nesses momentos — venha cá, meu velho, você sabe onde fica o Hotel Praia Dive?
— Praia o quê?
— Daive.
— Rapaz, pergunte ali.
E lá fui eu seguindo rua, olhando pra todos os cantos. De repente um muvuqueto se formou, tinha um cara em cima de um mini trio desfilando pelas ruas. Era Popó, que havia acabado de conquistar um cinturão mundial de boxe e estava indo para Cidade Nova, o seu bairro natal.
Depois de ir e voltar umas duas ou três vezes e sair perguntando em tudo quanto é lugar, comecei a desconfiar que talvez esse fosse um daqueles locais secretos ou, quem sabe, a pessoa tinha anotado errado como acontecia de vez em quando (78,96% dos casos).
Só que não, a pessoa responsável me confirmou que estava certinho. “Hotel Praia Dive mesmo, eu me lembro. Pedi para a cliente repetir mais de uma vez e anotei soletrando”.
Como o sol tava lascando em banda e eu vestia uma camisa polo verde escura e segurava um saco plástico com as placas soltas lá dentro, decidi parar numa padaria para tomar um suco, fazer algum lanche e refletir sobre os caminhos que me levaram até ali. No momento que eu estava lutando com aqueles guardanados que não limpam disgrama nenhuma eu vi a porra da placa do lugar. E, para meu espanto, na verdade parecia ser um Motel. E o nome qual era?
PARADIZE! PA-RA-DI-ZE!!!1!
Sim, paradize com Z pra fuder mais ainda o meu dia!
Numa placa escondida e apagada, a entrada do local era basicamente um bequinho ao lado da panificadora. A rua, que eu estava procurando, ficava mesmo em frente. Antes de ir até a casa da cliente, fiquei detronte ao grande Hotel Paradize, botei minhas mãos na cintura e parei uns instantes para ler uma placa fixada no segundo andar onde, de forma sutil, estava escrito:
Calor ardente, TODO DIA E TODA HORA!
E existe maior verdade em Salvador do que esse calor que nunca cessa?
Ossos do ofício diria o meu avô materno naqueles tempos e, se fosse o meu pai, ele falaria: “Hum, é isso mermo, tá pensando que é brincadeira? Eu, quando era bem mais novo que você, saia era da roça de sua avó, todo sujo de lama…”
Após toda essa epopéia, depois de descer uns quatro lances de escadaria, a cliente me atendeu com uma touca bege na cabeça. Sorrindo, ela botou as mãos juntas apontando para o céu sem nuvens e falou:
— Finalmente! Orei tanto por esse dia, Jeová!
— Oi, bom dia dona Melinda, tudo bem né?
— Melhor agora que vou me livrar desse encosto!
— Posso entrar? Com licença, viu.
— Pode entrar menino, deixa eu pegar a caixa aqui pra lhe entregar.
— Oi?
— A caixa da internet, você não é o rapaz da Telemar?
— Sou sim, mas vim instalar a DVI e…
— Oxe? Denovo isso? Instalar o que meu filho?! Eu pedi pra instalar que caceta? É cancelar, CAN-CE-LAR! Já é a quinta vez!
Deixei a cliente triste pela quinta vez, afinal, a Telemar sempre teve um longo histórico de atendimento exemplar aos seus clientes, mesmo depois que se modernizou e virou Oi.
Eu não tinha permissão para cancelar porra niuma e também não podia pegar a placa da cliente que teria que passar mais uma hora de relógio no telefone solicitando alguém ir buscar o equipamento na casa dela, outra vez.
Sabe o quanto eu ganhei por todo esse mistério e serviço? Um total de zero reais.
Praia Dive, Praia Drive, Para dive, Paradize 🤯
Para quem quiser saber onde fica o Hotel Paradize e quiser se hospedar é só clicar na imagem abaixo. A placa de Calor Ardente continua lá e os preços são convidativos, ainda que passar mais calor nessa cidade não pareça ser um programa lá muito interessante.
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A velocidade média da internet no Brasil hoje gira em torno de 246.000 Kbps ou 246 Mbps.