“Apesar de futebol não ser um tema muito apreciado no meio literário, hoje trago uma abordagem sobre o time do meu coração. Falo pouco sobre futebol em si, até porque me dei conta há pouco tempo que não sou também um grande fã do esporte. Em 1992 escolhi o Esporte Clube Vitória para torcer e acompanhar o resto da vida e, outro dia, enquanto caminhava para o estádio, pensei em algo que se encaxaria em um texto para deixar o dia de vocês mais leve, divertido e, quem sabe, fisgar 🎣 mais alguém para torcer para o Colossal 🦁”.
Sobre patos e lobos
Comprovado científica e empiricamente: A melhor maneira de não tomar chuva é se prevenindo. Quando o tempo está fechando e aquele vento frio começa soprar, bem na hora que você está se preparando para sair na rua — como faziam os Maias — basta pegar um guarda-chuva ou um capote1 e pronto. É certo que não vai chover.
A pessoa só toma chuva quando sai de casa desprevenida. Poderia fazer os cálculos estatísticos e provar matematicamente, mas, como perdi nessa matéria duas vezes na Universidade Católica do Salvador, prefiro que você tenha um pouco de fé ou finja acreditar em mim. Só para facilitar a leitura desse texto.
Foi com isso em mente que eu, quando estava próximo ao Santuário Manoel Barradas no bairro de Canabrava, dia desses em Salvador, resolvi atender ao mal agouro da moça que vendia capas de chuva a cinco reais.
“Hum… Ói ela, ói ela! Evém, viu? Vai chover como a disgraça hoje, hein? Olha a capa, olha a capa!”.
Nessa tática infalível de venda eu caí como um patinho. É como diz aquele ditado, todo dia sai de casa um lobo e um pato, e quando o pato menos espera, o lobo está fazendo pirarucus morrerem afogados. Algo assim.
O fato é que quando comprei a capa de chuva, e uma latinha pra me hidratar durante a longa caminhada até o estádio do Leão (1,73 quilômetros para ser mais preciso), olhei pro céu e ele se abriu. Não vou dizer que eu juro porque aprendi quando criança que quem jura mente. Era como se eu fosse o Moisés do mundo invertido, abrindo os céus para que os trinta e poucos mil torcedores pudessem ter uma noite de paz e tranquilidade. Ou quase isso, até porque, se alguém procura paz e tranquilidade, eu tenho certeza que o lugar menos provável para encontrar essa dupla de sumidas é durante uma partida do Fatal Model Colossal Esporte Clube Vitória de Canabrava da Bahia. Se é pra sofrer, que seja sem se molhar, ainda mais no sereno como minha Vó sempre alertava.
E foi justamente nesse dia, no final do ano passado quando o Vitória estava apenas esperando receber o seu primeiro troféu nacional em 124 anos de existência, que eu pela primeira vez parei para pensar na dimensão do que estava prestes a acontecer após cinco longos anos: O nosso tão esperado retorno à Primeira Divisão do Campeonato Brasileiro de Futebol.
Até outro dia eu pensava que o Vitória não estava preparado ainda para retornar à Série A, mas eu realizei que, na verdade, é a Série A que não está preparada para nos receber.
16 de Abril de 2022
Fui garoto nessa noite, não comprei uma capa, achei que era uma chuva passageira. Bom, todas são se você pensar bem, só que algumas demoram mais que as outras. Lá estava eu, em um sábado à noite que, ao contrário do que pregava Toni Garrido, parecia que nada ia mudar.
Molhado na arquibancada de cimento, um braço cruzado na barriga e o outro segurando um copo de cerveja que não esvaziava muito rápido, acompanhava o Vitória perder para o time cearense do Floresta por 1 x 0 jogando com um a menos na terceira divisão nacional.
Naquela altura tínhamos 55% de chances de cair para Série D e apenas 2% de chances de se classificar entre os oito times que ainda teriam que disputar quatro vagas para subir de divisão. A torcida que só ouvia que seu time ia desaparecer, resolveu apelidá-lo de COLOSSAL, afinal, se os outros são gigantes, o nosso é maior ainda. O Leão da Barra virou a chave e, contrariando os mais de cem anos de sua própria história, começou a vencer partidas. Um conceito deveras vanguardista para quem disputa campeonato contra clubes com investimentos maiores que o nosso.
No dia 14 de abril de 2024, o Colossal vai estrear na Série A contra o atual campeão, o Palmeiras. Vai ser o encontro do Campeão Baiano e da Série B contra o Campeão Paulista e da Série A.
Em tempos de arenização e elitização do futebol, digo sem dúvida alguma, que o Barradão – que poderá se chamar em breve Fatal Model Arena – é o último reduto do futebol raiz, pelo menos entre os grandes clubes atuais. Um dos poucos locais onde ainda se respira futebol nessa cidade em que todo mundo é D’Oxum. Homem, capa de chuva e mulher.
Para não me alongar muito, vou deixar apenas em poucas imagens, o porquê da Série A não estar preparada para a gente nesse ano de 2024.
O mascote do nosso time é o mesmo de muitos clubes nacionais, um leão. Só que o nosso é Rastafari, ginga, requebra e segura uma caixa gigante do remédio genérico Tadalafila2 durante as partidas.
Dudu, que joga como volante em nosso meio de campo com muita raça e pouca prudência, durante a comemoração de um gol, toma a caixa das mãos do mascote e levanta para a torcida. O time da furança, o time do sexo (ainda que a maioria do elenco seja protestante).
Nina Sag (diretora comercial da Fatal Model) é ridicularizada pela torcida do Bahia com palavras de baixo calão por conta do Vitória, ainda na série C, colocar nas camisas o patrocínio do Site de Acompanhantes de Luxo. A torcida do Vitória, em contrapartida, chama Nina de “Mãe do Vitória”.
Clique na imagem para ver o Cachorrão do Barradas. Ele vagava em dias de jogos ao redor do estádio, entrava sozinho e curtia com a torcida que o adotou como mascote nas arquibancadas.
Ele foi adotado de verdade depois de um tempo por uma família que mora próximo ao estádio, mas em dias de jogo, quando ouve a torcida gritando ele sente saudades 🥹. Os novos tutores prometeram que irão levar ele nos jogos e o cachorro tem um perfil no instagram para quem quiser acompanhar.
Não existe futebol sem zoar o rival. Depois do Bahia ter vendido 90% do time para o grupo City e achar que viraria o novo Manchester brasileiro, ganhando todos os títulos, a realidade foi bem diferente. Daí o grande apelido dado pela torcida do Leão e que condiz com o sufoco que tiveram esse ano com a gente. Em 4 partidas, ficaram na roda em todas, perderam duas, empatamos uma (a que fomos campeão baiano) e a que perdemos na Arena Fonte Nossa jogamos melhor mesmo com um jogador a menos e com 30 vezes menos investimentos que eles.
Mais que um estacionamento, um acontecimento com grande aglomeração acontece nos arredores do estádio. Tem paredão, piscina, churrascos e tudo o que você imaginar do lado de fora antes da partida começar, um carnaval de gente. Se não chegar com seis horas de antecedência, é capaz de nem achar vaga.
Isso mesmo, torcedores levam piscinas para refrescar antes de entrarem na partida no estacionamento. Muitos outros levam CAIXAS D’ÁGUA e chamam CAMINHÕES PIPA para enchê-las as 9 ou 10 da manhã para partidas que começam 16 ou 19hs. Tudo pelo Colossal.
Se me chamar eu vou
Canabrava, um bairro em que, no século passado, quando Vitória iniciou a sua construção, abrigava nos arredores o aterro sanitário da cidade. Quando criança, eu subia no meio do lixo entre porcos bem alimentados, urubus, torres queimando o gás resultante das montanhas de lixo, moscas gigantes, tudo isso era um atalho para chegar mais rapido ao estádio. Daí os apelidos pejorativos de lixão que nenhum torcedor rubro-negro se incomoda mais, na verdade a gente tem orgulho de ter transformado um lugar inóspito em um local ainda que humilde, livre do lixo, com super-mercados, condomínios, ruas asfaltadas, avenidas e, mais que isso, cheio de vida e com um comércio bastante vivo.
Pouco importa o resultado nessa estréia, e bem sabemos que na primeira divisão a nossa caminhada será bem difícil, ainda mais com clubes ricos e cheios das máfias, mas a gente vai dar a nossa cara a tapa porque somos ousados.
E mais que isso, minha capa de chuva — que eu nunca usei, até porque ela é descartável e é impossível dobrá-la novamente — e minha camisa da sorte ainda estão invictas, e é com elas que pretendo iniciar essa jornada na primeira divisão.
Nos desejem sorte, porque vamos precisar.
Por aqui Capote engloba tudo que envolve capas de chuva, casaco, capotes, etc.
A medicação é indicada para homens que tenha dificuldade de ereção, mas vem sendo erroneamente usada principalmente por jovens para terem resultados “grandiosos”, o que é altamente contra-indicado por médicos e qualquer pessoa que preze por sua própria saúde.
Márcio, como editor já lancei livro sobre o Flamengo e sobre o Confiança (de Sergipe) - do mesmo autor. Não por acaso, vocês escrevem na mesma vibe!! É pura paixão. A literatura tem que acolher isso. Há muito espaço para ser ocupado pelo futebol nas letras (o audiovisual acaba por dominar praticamente todas as manifestações). Que o Colossal faça bonito na série A. A sua grande torcida merece!!
Ah, que maravilha de texto. Que delícia ser Vitória e obrigada por partilhar isso com mais gente, para ver se alcançam o pouquinho do tanto que significa ser COLOSSAL. Eu guardo minhas capas que eu não consigo dobrar de novo e levo mesmo assim, VAI QUE